A Floresta

Era como acordar de um longo sono.

Você já se sentiu perdido? Perdido como… como se você soubesse que foi dividido em vários pedaços, mas eles estão muito longe pra se juntar de novo. Perdido como se você fosse um monte de pedacinhos separados e jogados por aí?

Dor.
Medo.
Solidão.
Frio.
Amor.
Paz.
Fome.
Um balanço.
Braços.
Calor.
Uma boneca.
Luz.
Carinho.
Aquela torta.
Pintas.
Um rosto bonito.
Felicidade.

As árvores tinham lembranças de um tempo há muito distante. De um tempo que pulavam pela terra, e sentiam a chuva em seus rostos. O que era um rosto? A grama sabia qual a sensação de pisar em si mesma, e como isso fazia cócegas. A flores lembravam de como ficavam lindas com aquele vestido rodado, e de como o vento fazia com que ele voasse no balanço. As aves sabiam o quão agradável era seu canto nas manhãs de sol. As raposas se lembravam com carinho dum rosto jovem de cabelos macios. Os musgos se lembravam da dor. Os cogumelos que sempre cresciam ao redor das árvores se lembravam do medo e da agonia de estar sozinha. Os trevos sabiam como era adormecer aos poucos no chão frio e úmido da floresta; como as folhas dos pinheiros pinicavam. As samambaias sabiam como era perder os sentidos aos poucos, um misto de medo e alívio.

Ninguém sabia o que acontecera naquela floresta. E os que sabiam não tinham como contar aos outros.

Era um dia meio sombrio, nublado. Iria chover, com certeza. Mas ele insistiu, então ela foi com ele. Um pique nique na clareira. Ela adorava aquele lugar! Os cogumelos nascendo entre as árvores, os trevos entre a grama. O cheiro de pinheiros frescos… era simplesmente maravilhoso, um lugar adorável.

A floresta era conhecida por dar calafrios e inspirar medo em qualquer um que entrasse lá. Rezam as lendas que fantasmas assombram a floresta. Dizem que há pequenos seres que vivem ali. Alguns parecem felizes e brincam como crianças entre a grama, até desaparecem. Outros ficam chorando pelos cantos, entre as raízes. Uma senhora idosa diz que são fadas que foram amaldiçoadas por não protegerem as árvores. Um senhor disse que são os sentimentos daqueles que morreram. Uma criança ouviu de sua mãe que as crianças mal-educadas ficam presas na floresta pra sempre. Cada um tem uma história diferente.

Bolo, chá, fogueira, uma cesta meiga, cabelos soltos, o rosto mais belo. Não era possível que o dia fosse melhorar. Já estava perfeito. Apesar de nublado, havia alguns passarinhos cantando, e seu abraço espantava todo o frio.

Cada pequeno ser tinha um traço forte. Alguns sentavam sonhadores nos galhos das árvores. Alguns eram tristes e solitários. Outros brincavam de roda o dia inteiro e dormiam em qualquer lugar. Havia aqueles que se escondiam pelos cantos, cujo prazer era assustar qualquer coisa que passasse por perto. Havia alguns que passavam o dia comendo sem nunca se satisfazer, e aqueles que tinha tanto medo e dor que se enrolavam num cantinho entre as raízes e não saíam nunca mais. Ninguém sabe se onde eles vieram ou como surgiram. Um dia eles simplesmente apareceram.

A chuva chegou despercebida. Foi uma gota. Outra. E de repente, chuva! O casal entrou correndo pra mais dentro da floresta, onde a chuva não chegava. Os dois molhados, sorrindo um pro outro. “O casal perfeito” como diziam na vila.

Mas o futuro deles não era perfeito. Ele conseguiu escapar, mas ela ficou ali. Presa. Se esvaindo aos poucos. A chuva se tornou uma tempestade com raios e trovões. Um raio atingiu uma árvore. A árvore caiu. Ela ficou presa. Ele foi buscar ajuda, mas quando voltou não conseguiu encontrar o lugar. Ela ficou ali. Sozinha. A dor. O medo. A solidão. O frio. Tudo foi se esvaindo aos poucos. Lembranças de sua infância escorriam junto às suas lágrimas. Momentos felizes e momentos triste, todos eles misturados e fugindo dela. Mas ela não o odiava. “Ele foi buscar ajuda. Ele vai voltar.”

Ela nunca foi encontrada, entre os seus ela foi esquecida. Mas a floresta lembraria dela para sempre.