
Amor(as)
Suas mãos estavam cheias de manchas. Vermelhas e escuras. Algumas roxas, que se espalharam. Quando se colhe amoras por toda uma manhã é assim que ficam as mãos. Havia, também, algumas manchas em seus braços.
Ele encarava suas mãos vermelhas sentado ao chão. Apoiava-se naquela mesma árvore. Provavelmente era a mesma hora daquele dia. Instintivamente, todo ano, naquela mesma época ele ia colher as amoras.
Não eram para ele. Nunca gostou das frutinhas preto-avermelhadas. Eram para ela. Ela sempre fora com ele. Até aquele dia.
Ele não era um ser humano normal. Tinha surtos psicóticos de tempos em tempos. Os médicos disseram que seria melhor para todos se ele se isolasse. A guerra lhe fizera muito mal. Muito mal… Mas ela não tinha medo. Porque afastar-se de quem mais precisa de alguém? Ela o amou. Amou como amava as árvores. As estrelas. Amou como se ele fosse parte dela. Foi tachada de várias coisas. Sofreu. mas não se afastou. Não isolou-o. Como poderia?
Um dia ele se atrasou. Naquele dia ela chegou mais cedo. Mas ela foi seguida. Queriam ensiná-la que o mundo não era Amor, apenas Ódio.
Ele ouviu seus gritos. Correu. mas foi tarde. Ele viu o bando correndo. Se quisesse, poderia alcançá-los. Mas algo o segurou. Ela estava ali, coberta de sangue. Ele leu seus lábios e atendeu seu pedido. Apoiou a cabeça dela em suas pernas e acariciou seus cabelos. Seus mãos ficando vermelhas aos poucos.
Então uma lágrima escorreu em seu rosto. Ele a pegou no colo e levou-a para a casa dela. Seus pais sabiam que eles eram amigos. Ele nunca a machucaria. Eles também sabiam do que ela sofria por ser amiga dele. Eles entenderam e não o culparam quando, em prantos, ele explicou o que acontecera.
Ele não foi ao enterro.
Mas todo ano deixava amoras em seu túmulo.