
Asas de Cinzas
Com um forte suspiro, a cocaína entrou em sua corrente sanguínea. Ele olhou para fora. Era dia? Era noite? Ele não fazia ideia. Mas que diferença faz? Ela estaria ali de qualquer maneira. Uma sombra. Uma luz que pisca. Um fantasma. Era terrível. No começo ela estava por todos os lugares. Era toda sorrisos. A melhor pessoa do mundo. O que aconteceu? Onde ela estava agora? Ele não fazia nem ideia. A droga começava a fazer efeito. O que era mesmo? Merda. Ele levantou, correu até a sala. A luz tinha piscado, certeza! Ela ainda estava aqui. Ele parou. Um perfume leve paira no ar. Um movimento ao canto dos olhos. Tecido? Vestido? Uma garrafa voa. Cortina. Ele não sabe mais o que fazer. Não há mais o que fazer. Ele pega a garrafa do chão. Plástico? Que merda é essa? Bem, é álcool. Serve. Ele senta no sofá de novo. Estava mesmo aqui? O que é isso? Há quanto tempo…? A porta. Ele levanta. Corre. Escorrega. O chão cada ver mais perto. Sangue. Merda. Ele escorregou no tapete. Ele nem tem tapete. Tem? Era dela. Eu queimei tudo dela. Eu queimei… ela? Não! NÃO! Ele se contrai no chão, imagens correndo por sua cabeça, fogo dor gritos garrafas o que está acontecendo um vestido azul tão rodado por que…
Ela parecia um anjo.
Mas era o pior dos demônios.
O efeito da droga estava passando, seus olhos conseguiam perceber uma leve luz através da janela, agora com a cortina rasgada. Há sangue seco em seu nariz, ele sente dor. Tenta se levantar. Por que ele estava no chão? Havia umas roupas jogadas num canto, perto de seus pés. Não era um tapete, afinal, eram só roupas sujas. Ele levanta devagar, com os olhos fechados, e consegue sentar-se. Abre os olhos. Está tudo borrado. Ele esfrega os olhos e tenta de novo. A visão começa a focar nas roupas sujas, enquanto seu nariz volta a doer. Desesperadamente. Ele tenta ficar em pé, mas o quarto gira. Ele volta a se sentar. O nariz volta a sangrar. Ele alcança as roupas sujas. Um vestido. Azul. Queimado na barra. Ele respira fundo, mas tudo dói. A dor clareia sua cabeça por um momento. Ele levanta devagar e consegue ficar em pé. Precisa chegar ao banheiro. Com dificuldade, ele anda até lá. Apoia-se na pia; está gelada. Há sangue pingando no fundo. Seu sangue. Ele olha no espelho. Toma um susto. Por um instante, há outro rosto ali, com seus olhos vermelhos, injetados. Ele pisca, e o rosto some. Sobra apenas ele e seu nariz torto. Ele deveria ir ao hospital. Há quanto tempo não sai de casa? Há quanto tempo…
Um som de vidro se quebrando.
Cozinha?
Ele solta a pia, com uma toalha em seu nariz. Cambaleante, chega na cozinha. Há um quadro no chão. Ele se abaixa e pega o quadro. O vidro está quebrado, mas a foto está intacta. Bem, as bordas estão queimadas… Um rosto sorri para ele. Um rosto angelical. Cabelos louros, encaracolados. Mas por um instante, apenas um instante, algo muda naqueles olhos castanhos. Um brilho que ele não pode ver a tempo. Algo liga dentro dele. Um instinto de autopreservação. Ele larga o quadro, que cai no chão. O chão ondula. Não era só cocaína. Não era só álcool. Não pode ter sido! Uma risada ecoa pela casa. Não… não não não. De novo não! Ele finalmente percebe que a dor não vem só do nariz quebrado. Seus pulmões. Ele não está respirando direito. Agora que percebeu, fica ainda mais difícil. Seus pulmões queimam! Ele tenta correr, seu telefone está em algum lugar, ele precisa ligar pra uma ambulância, mas o telefone está flutuando, não não não não… O telefone caí no chão, se fazendo em pedaços. Ela está ali. Ela está finalmente ali, com seus cachos fumegantes e seus olhos injetados. Uma grande mancha de sangue em seu leve vestido azul. Ela sorri. Um sorriso insano. É hoje. Ele sabe. É hoje que ela veio buscá-lo e arrastá-lo até as profundezas de onde ela veio.
Suas mãos queimam.
Ele sentiu tanto a sua falta.
Mas sua presença dói, e ele não quer ir.
Não tem problema, amor. Você nunca vai ser capaz de me machucar de novo.
Pesado.
Insano!
Curtinho, mas muito bom!