
O nome dela era Alice
Parte I - O parque
Ela me puxava pela loja animadamente com o jogo em mãos, parecia uma criança no natal. Eu ainda não conseguia me acostumar com esse jeito quase bipolar dela, as vezes ela parecia um bicho-preguiça, lenta, sonolenta e calma até demais, enquanto outros momentos dava a impressão que ela havia ligado o modo turbo e saia por aí animadamente.
-Mas você não acabou de dizer que estava sem dinheiro?!?
– Mas, mas, eu queria tanto esse jogo! E é do Pokémon! E você pode desenhar!
Aquela expressão sempre me divertia, era um misto de inocência com alegria pura. E já imaginava que a compra daquele jogo renderia horas de uso, mas algumas reclamações dela depois sobre “falta de dinheiro”
Depois de sair da livraria, decidimos ir pra algum lugar, pra ela poder abrir seu novo jogo (Mais um da enorme pilha deles). Fomos andando até o parque conversando sobre coisas sem sentido, filmes de quadrinhos. Quando chegamos no parque, fomos andando de mãos dadas até encontrar um cantinho, demasiado fofo, um pequeno morrinho gramado, debaixo de uma arvore, com uma sombra gostosa. Aliás sempre pensei que nossos encontros pareciam saídos de roteiros de filmes de romance, daqueles bem bregas por acaso.
Deitamos na grama, ela tirou o jogo da mochila e ligou o 3ds, e eu deitei do seu lado. Passamos horas rindo e tentando seguir as instruções pra desenhar os bichinhos simpáticos, claro que estávamos falhando miseravelmente, mas ainda sim era divertido tentar. Então ela virou pra mim e ficou me olhando, sem dizer nada, apenas olhando. Eu sempre achava impressionante como Ela conseguia mexer comigo, seus olhos castanhos me encarando em silencio e meu estomago cheio de borboletas.
– Sabe Monica, você me faz bem… – E me deu um beijo
Se isso fosse um filme, esse seria o momento que entraria aquelas músicas maravilhosas, a cor da tela seria quase dourada de tão alegre que era aquele momento, depois de vários encontros com pessoas estranhas, horas de conversa sem graça, eu finalmente estava vivendo meu romance que imaginava desde garotinha. Bom vamos voltar um pouco, pro início da história.
Essa sou eu nascendo. Essa sou eu no prézinho comendo cola. Essa sou eu, linda e maravilhosa andando de bicicleta.
*Ahem*
E essa sou eu na duzentesima discussão com meus pais sobre o que é ser uma garota que se dá ao respeito e que quer algo na vida. Ainda tinha as minhas dúvidas quanto a quem eu era, ainda me sentia insegura quanto aos meus gostos e havia, de certa forma, pressão de vários lados, meus pais, conservadores, esperavam que a sua pequena princesa, encontrasse um belo príncipe, um rapaz honesto, trabalhador e que provesse a eles vários netinhos rosados e fofinhos, a maioria das minhas amigas só falavam de garotos e com toda a certeza aquilo seria um choque para a maioria.
Por outro lado, eu mesma sentia essa pressão, as vezes me sentia errada em gostar do que eu gostava, em outros momentos eu não ligava para isso e agia como se não fosse algo tão estranho assim. Conforme eu fui me descobrindo, algumas amigas minhas foram se afastando ou demonstrando seus pensamentos através de piadas cansadas e definitivamente preconceituosas.
Aos 18 eu sai da pequena cidade do interior que eu cresci durante a minha infância inteira e decidi me mudar para a cidade grande e com toda a certeza, uma cidade nova nunca é muito lá convidativa para pessoas novas. A capital era uma linda cidade, grande, cheia de gente, lugares para ir e nenhum dinheiro para gastar. Eu havia me mudado pois iria começar a faculdade, no curso de engenharia química. Eu tinha quase certeza que deveria ser a única mulher matriculada naquele curso, pois os meninos me olhavam como se eu fosse um maravilhoso pedaço carne, com um lindo lacinho rosa na cabeça. O campus da universidade se resumia a três tipos aparentemente, as pessoas que viviam em festas, as que viviam preocupadas com status e a emaranhada massa estranha de nerds e grupos sobressalentes, formando um único grupo, os esquisitos em geral.
Realmente, a primeira coisa que havia percebido era que eu finalmente estava saindo da pequena bolha do interior, onde a maior parte da cidade tinha olhos ferozes e vidas demasiadamente entediantes, o que gerava uma espécie de corrente de fofocas. Uma vida pacata e com pouca emoção. Ali, para mim era um território novo, um vasto território cinzento, coberto de pessoas que lhe olhavam como se você fosse apenas algo pintado na parede, indiferente. Aquilo era assustador, mas ao mesmo tempo libertador.
Eu morava em um pequeno quarto alugado, num bairro afastado do centro, com suas peculiaridades, as várias brigas pela madrugada de desconhecidos bêbados, músicas altas dos vizinhos aos domingos. Realmente, pra mim era outro universo.
O primeiro ano passou muito rápido, entre provas, aulas e exercícios intermináveis, consegui sobreviver. Mas em todo esse tempo, havia uma menina que me chamava a atenção, ela sempre era muito simpática com todos, diferente de mim que preferia o fundo e a tranquilidade do meu próprio espaço. Então um dia, eu finalmente a conheci. Mas claro que não foi da forma normal que um ser humano se apresenta, pois eu nunca fui normal para amizades. E, cara, bota estranho nisso, até hoje ela se esquiva de mim pelos corredores da faculdade.
E foi assim que minha vida passou de uma pequena e inocente bola de neve, para uma desastrosa e imensa bola de neve desgovernada descendo o morro procurando seu próximo alvo. Durante o primeiro ano todo, eu posso dizer que eu não era mais a mesma que começou. Passei a conhecer novas pessoas, novos pontos de vistas, novas amizades e me livrei daquele estigma que carregava de que o que eu era, por algum motivo, seria moralmente e socialmente errado.
Claro que também tive alguns encontros nesse período, garotas de tipos variados, roqueira, nerds, bailarina, artista, skatista e a lista segue. Mas curiosamente, apesar dos encontros a maioria deles sempre parecia seguir um roteiro pré-determinado, principalmente nas conversas ou nas opções de encontro, era como se o mundo fosse limitado a três opções: Café, Cinema ou Balada.
Quanta originalidade, lá pela oitava garota aquilo começou a se tornar um jogo, gosta de filmes de ficção cientifica? 10 pontos. Tem bafo? Menos 40 pontos. Perto do final do primeiro ano, acho que devido as provas e as substitutivas (nunca disse que eu era uma boa aluna), eu meio que parei com esses encontros. E realmente foi bom ter parado, estava ficando cansada daquilo. Um pouco depois do ano novo, eu estava entretida postando algumas fotos no facebook e então o aplicativo me sugere uma lista de pessoas que eu poderia ter interesse ou supostamente conhecer.
A lista era composta dos clássicos, menina bico de pato, garota “olhe meus peitos”, rapaz baladeiro, rapaz padrãozinho… etc etc etc, entretida com essa brincadeira de “Classifique pela Foto” meus olhos encontraram os dela, Alice C. R., sua foto de perfil era um pouco diferente, nela ela estava segurando a câmera com um sorriso fofo.
Interessante, pensei, e resolvi fuçar o perfil dela, mas haviam poucas coisas disponíveis para ver, poucas amigas e quase nenhuma postagem, aquilo realmente me chamou a atenção, porquê uma garota diferente, seria tão solitária? Tipo poxa ela era linda! Bom na maior cara de pau eu resolvi enviar uma mensagem:
-Oi Moça, podemos conversar?
Claro que logo após ter enviado, meu corpo foi varrido por aquela onda de vergonha. Quem é que fala “Oi moça”, céus, estava me sentindo uma doida pervertida. Enquanto me arrependia eu continuava mexendo na minha timeline, tentando não esperar uma resposta. Quase uma hora depois, ela me retorna:
-Rs, acho que sim, oie 🙂
-Bom, agora é o momento em que eu não sei o que responder, kkkk
-Bom, você sempre pode começar com uma pergunta simples, sei lá xD
-Bom, o que você está fazendo? Tipo agora né
-Ah, eu estava jogando…
Aquilo me fez levantar uma sobrancelha, já era realmente difícil as pessoas jogarem, ainda mais uma menina da minha idade, ou pelo menos era o que a minha experiência tinha me ensinado.
-SERIÃO? O QUE? *0*
-Ah, não sei se vc vai conhecer qual, mas é um chamado Star Wars: Battlefront
-Não acredito! Eu adoro esse jogo!!
E assim a conversa continuou por horas, a coisa mais nerd/geek/otaku/fofa que eu já tive, basicamente nossos gostos eram muito próximos, ela gostava quase dos mesmos jogos que eu e era fanática por Star Wars, nunca tinha visto ninguém tão aficionada em uma franquia assim. Ela me mandou fotos das almofadas que ela tinha de alguns personagens, alguns livros e alguns bichinhos de pelúcia de animes.
Durante a semana toda nós ficamos conversando pelo chat, era engraçado porque eu praticamente estava passando os dias grudada no meu celular, nos brincávamos, conversávamos sobre o dia.
Eu descobri que ela trabalhava como auxiliar de enfermagem num hospital, e fiquei muito curiosa quando ela começou a me explicar a sua função e as responsabilidades que ela tinha que exercer. Basicamente ela separava os medicamentos para cada caso, tendo certeza da dosagem e do material utilizado, montando os kits necessários para cirurgias. Eu nunca teria imaginado que existia aquela função, se bem que até aquele momento eu realmente nunca havia parado para imaginar um funcionamento de um hospital.
Na sábado, ela teria uma folga e perguntei se ela estaria interessada em sair comigo. Pra minha alegria ela concordou e marcamos de nos encontrar na saída do metro.
Parte II - A casa
Cap. II – Estrelas e Ketchup
Como é se sentir uma criança novamente? Aquela sensação maravilhosa antes do natal ou do seu aniversário, onde você sabe que vai receber presentes ou no mínimo comer aquele bolo que você só come uma vez ao ano, fora receber os amigos e abraços e carinho da família. É. Uma sensação boa não é mesmo? Agora some isso com a ansiedade, uma leve vergonha e um enxame de borboletas no estomago e você sabe como eu me senti naquele metro. Lá estava eu. Parada na catraca, esperando Alice. De mochila, blusa, guarda-chuva na mão (porque céus, aquela cidade chovia!)
Passados quase vinte minutos que eu havia chegado, eu sinto alguém me cutucando, quando eu me viro, me deparo com uma garota baixinha, eu era uma garota alta, tinha um metro e setenta e três, Alice era baixinha, mas tipo bota baixinha nisso, talvez algo em torno dos um e cinquenta e poucos. Minha vontade era de colocá-la no bolso e sair correndo com ela. (Há!). Ela estava de touca e seus cabelos castanhos estavam amarrados num coque pequeno, uma blusa amarela e uma mochila pequena. Eu fiquei olhando pra ela uns minutos, seus olhos eram lindos e ela realmente era tímida, ela tinha comentado que era tímida, mas não imaginava que era tanto assim. Parecia que ela iria sair correndo e se esconder. Então, como alguém que estoura um balão, ela me pergunta:
– Então… Pra onde vamos?
-Eu… han… não sei, você está com fome? (Era quase uma e meia da tarde)
-Um pouquinho…
-Quer almoçar comigo?
-Pode ser! – Disse enquanto ia passando pela catraca
-Bom onde vamos?
-A gente poderia passar no Mcdonalds, eles estão com a surpresinha do Mario!
Com um pequeno riso, eu concordei. E lá fomos para o restaurante que eu menos gosto no universo. É como se todas as opções tivessem gosto de massinha de modelar com sal, mas ao mesmo tempo eles tinham brinquedos legais, poxa era do Mário, um dos meus jogos favoritos!
Depois de pedir os lanches (pra crianças) e sentarmos na mesa, ela sugeriu juntar nossas batatas. Bom agora tínhamos uma pequena montanha delas com uma erupção de ketchup. E comemos tudo sem dizer muita coisa, acho q ambas estávamos com fome.
– O que veio no seu? Disse ela procurando na caixinha o dela
– Bom… Veio o cano verde – E olhei para ela
– O meu veio o cogumelo vermelho!
– Agora é só você comer que você fica gigante
– Besta – Disse ela fazendo uma careta
– Então… você sempre trabalha tanto assim? Porque falamos pouco essa semana…
– Ah Mônica, eu trabalho bastante sabe, meu trampo no hospital é bem corrido, as vezes eu não presto muita atenção em outras coisas.
– Mas, você gosta?
– Bom, eu gosto sim, mas é muita responsabilidade, a parte boa é que eu fico um pouco sozinha por lá, daí eu não atrapalho ninguém e posso jogar também…
-Pera… Como assim atrapalhar?
– Bem… – Ela se arrumou na cadeira e cruzou as pernas – É um pouco complicado, eu sou bem tímida, mas também eu acabo me desligando muito das coisas, mas sabe… não é por mal, só acontece. E já brigaram muito comigo por causa disso. Meu irmão briga muito comigo por isso…
– E isso te machuca?
– Um pouco… falam que eu sou lenta – E deu uma pequena pausa olhando pro chão – é complicado…
– Bom… é o seu jeito.
– Ser lenta?
– Não. Cada um tem a sua velocidade, não é como se você escolhesse isso
– É… – Ela deu um sorriso – Verdade…
– Eu sei que é o nosso primeiro encontro, mas gostaria que você pudesse contar comigo… se um dia você se sentir tristinha – E tentei dar meu melhor sorriso – To aqui!
Ela riu.
Ficamos em silencio alguns minutos, absorvendo aquilo, a sensação que eu tive era que Alice também teve seus momentos ruins, durante a semana que conversamos antes do nosso encontro eu pude sentir um pouco disso. Uma pessoa que era inocente, mas que tinha um pouco de medo. O que me fez gostar muito dela, tão rápido, foi que eu também sentia isso. Esse medo. De ser machucada, julgada. Minha vida até o momento foi assim, eu era julgada por gostar de videogames, julgada por escolher engenharia química, ao invés de letras como meus pais queriam, julgada por ser lésbica. Poucos amigos e muitos rótulos.
– Ei, eu trouxe meu 3ds, você quer jogar comigo? – disse mexendo na mochila
– Claro. O que você tem aí?
Ela mais do que orgulhosa, tirou um pequeno estojo, lotado de pequenos cartuchos de jogos, devidamente encaixados em compartimentos. E exibiu um a um, alguns ela tirava do pequeno estojo e contava com um brilho no olhar as conquistas em cada um dos jogos. No final jogamos alguns jogos juntas e um de naves.
O que ela não sabia era que eu era muito, mas muito boa naquele jogo. Eu sempre fui muito competitiva, era do tipo de pessoa que queria sempre ter o primeiro lugar ou a pontuação mais alta possível. Se tinha um prêmio, eu queria meu nome nele. E começamos a jogar.
Ela era péssima nesse jogo, mal sabia os controles. Eu ajudei ela nas primeiras rodadas. Depois de algumas partidas ela já se sentia mais confiante e tentava algumas manobras e até conseguia me derrotar algumas vezes. Nessa fase, estávamos voando num mapa no espaço, onde só era possível ver estrelas, alguns minutos de combate o contador de tempo emitiu um alerta. Estávamos empatadas e o jogo exibiu em letras enormes na tela “MORTE SUBITA”. Isso significava que quem fosse derrotada primeiro, perderia. Eu não sei o que deu em mim, mas vê-la sorridente, feliz de estar aprendendo um jogo novo (e ganhando um pouco nele) me deixou tão feliz que eu discretamente deixei que ela ganhasse, pequenos erros bobos, ia mais devagar. Até que ela ganhou.
– Uhull! – Disse enquanto dava um pequeno pulinho – Há! Eu ganhei!
Eu ri.
– Parabéns e ago…
Ela roubou um beijo de mim naquele momento. Um beijo quente e com gosto de batata frita. E tipo, eu nunca tinha sentido aquilo, mas era como se meu corpo todo tivesse sido varrido por uma corrente elétrica, senti calor, meu coração disparou. Ficamos assim um tempo, se beijando.
Cap. III – Café Amargo
Com o passar das semanas, nós íamos conversando mais e mais, me sentia cada vez mais próxima dela, trocávamos selfies, contávamos sobre nosso dia. Era realmente diferente. Dos encontros que eu tinha, com ela, foi o que estava durando mais tempo. Se eu fosse imaginar um placar pra ela, seria algo na casa dos milhões de pontos. Sorriso de derreter o coração? 200 pontos! Jeitinho encantador? 300 Pontos! Beijo que me deixava sem rumo? Mil pontos cada!
Lá pelo quarto mês, depois de pequenos encontros assim, devido ao trabalho dela, nós decidimos dar uma volta no shopping. Quando estávamos andando pelas lojas, ela me olhou um pouco envergonhada e apontou para a livraria:
– Posso ir?
– Como assim? Claro que pode -Sem entender – Não precisa me perguntar isso!
E sem explicar ela saiu correndo e parou na vitrine, maravilhada com os livros. Era véspera de lançamento do novo filme do Star-Wars e naquele momento aquela livraria exibia todos os livros que eles tinham em estoque, tipo sério, títulos que nunca vi, livros de arte, enciclopédias, lançamentos e todo o tipo de bugiganga dos personagens. Alice parada na frente da livraria olhava encantada, apontando alguns que tinha, comentando alguns que tinha e que gostaria de ganhar. Então ela me puxou para dentro da loja e foi logo pegando um dos livros. Não tinha como ser mais cômico que isso, uma garota baixinha, segurando um livro de arte gigantesco e comentando com um ar orgulhoso cada personagem que ela conhecia.
– Eu queria tanto comprar esse livro – Segurando um pequeno livro verde
-E por que não compra?
– É que eu ainda não recebi, mas quem sabe mês que vem
Depois de andar um pouco pela livraria, decidimos tomar um café, sentamos num canto isolado, apesar dos olhares de julgamento de algumas pessoas, a gente tinha se acostumado a não prestar atenção, mas ainda isso era estranho ser julgada por amar.
– Alice… Por que você me perguntou se você podia ir ver os livros? Tipo não faz sentido…
– Não sei se quero falar sobre isso ainda – E deu um gole no seu milk-shake
– Tudo bem se não quiser, é que eu realmente não entendi
– É culpa da minha ex… – E olhou pra baixo – Ela era um pouco diferente comigo.
– Como assim?
– Bom, a dois anos atrás, eu conheci uma garota, Jaqueline. Ela me tratava muito mal, me chamava de lerda, dizia que eu gostar de videogames era coisa de criança e que eu deveria parar de ser imatura e crescer. Foi um relacionamento muito difícil para mim, ela me fazia me sentir muito mal e dizia que ela estava sendo muito paciente comigo. Mas eu nunca tive um relacionamento antes com ninguém… – Disse enquanto limpava uma pequena lagrima – Eu achei que aquilo era o normal de relacionamentos, nunca soube que não. Eu fazia de tudo por ela, deixava de fazer as minhas coisas, corria atrás, fazia o possível e o impossível.
Deixei de comprar minhas coisas por ela. Eu sempre quis um Xbox one e já cheguei a ter dinheiro pra um, mas de último momento, eu dei todo esse dinheiro, porque a Jaqueline me pediu, ela disse que ela precisava pagar contas e que eu gastar isso num videogame era estupidez. Depois de quase um ano, eu não aguentava mais chorar e me sentir o problema e me abri com a minha mãe. Ela me explicou que o problema de verdade não era eu, mas sim a minha namorada. E me mostrou que eu estava sendo maltratada. No começo desse ano eu terminei com a Jaqueline. Ela ficou furiosa e me ameaçou, disse coisas horríveis. E… e por isso que eu te disse que eu não quero namorar agora… são coisas assim que me machucam muito ainda…
– Por pior que ela tenha sido com você Alice, você sabe eu jamais te trataria assim… – E a abracei – Pra mim você é e está sendo especial. Eu não te cobro de namoro, porque não temos que namorar, apesar de você saber que eu gostaria, mas se você não se sente pronta pra isso, eu espero, mesmo que a gente seja só amigas, eu quero que você entenda, não temos que ter algo, você tem que se sentir confortável pra isso.
– Obrigado… Eu gosto de você sabia? – ela me abraçou apertado
Ela chorou.
Cap. IV – Ascenção Vermelha
Veja só, você leitor(a) ainda está por aqui, lendo essas histórias de uma garota apaixonada. Parece um filme não é mesmo? Era a sensação que eu tinha quando estava com ela, tudo parecia ter saído de um roteiro de filme, as falas, os gestos, só faltava à música. Eu sempre fiquei me perguntando a todo instante como eu poderia ter tido tanta sorte assim de ter encontrado Alice. Logo eu! A nerd esquisita da faculdade, ovelha negra da família.
Era quase natal, e uma semana antes do natal era o aniversário dela, nós continuávamos saindo sempre que ela tinha folgas e não batia com meus horários de trabalho. Depois de quase um ano saindo, todo o resto da minha vida tinha se tornado algo de segundo plano, faculdade, trabalho, inclusive meus problemas. Ela tinha se tornado minha vida, ou melhor, ela tinha trazido vida a minha. Eu sentia que o que tínhamos era diferente, especial. Eu a amava, estar com ela era especial.
Onde eu estava… ah sim o aniversário dela…
Bom ela nunca comprou o pequeno livro verde, pois no mês seguinte eu fiz questão de incentiva-la a comprar um Xbox, depois de alguns meses dela juntando dinheiro, ela comprou. Nosso novo passatempo era jogar juntas online quando ela chegava do seu trabalho. Ligávamos pelo Skype, WhatsApp o que fosse, mas passávamos a noite conversando e jogando.
Como era o aniversário dela, eu decidi comprar o tal do livro pra ela. E como toda boa nerd (e namorada-não-oficial), eu embalei o livro, como se fosse um pacote altamente confidencial, todo temático do star-wars. Dentro do envelope eu coloquei uma carta.
Pra minha baixinha,
Quase um ano que nos conhecemos. Eu não conseguiria expressar em uma carta pequena como essa o quanto você é especial pra mim, os momentos que temos passado juntas estão sendo muito, muito especiais pra mim, eu tenho sorte de ter te conhecido.
E mais sorte ainda de poder te conquistar todos os dias. Estar com você é algo que me faz feliz e se eu pudesse eu queria te fazer muito feliz.
Com muito amor (e uns beijos), Mônica
Selei o pacote e esperei ela chegar em casa. Pela primeira vez ela viria em casa. Bom no meu quarto alugado pra ser mais precisa. Passei horas arrumando o quarto, deixando cada cantinho limpo e perfeito pra ela chegar. Desci até a estação de metrô e fomos a pé até chegar em casa. Ela tinha trazido alguns jogos do videogame dela e ficamos jogando. Depois de um tempo eu disse que precisava ir até o banheiro. E voltei da cozinha com um bolinho pequeno de morango e uma vela (minúscula) acesa. Alice tinha ficado mais vermelha que a cobertura do bolo, escondendo o rosto atrás de uma almofada e segurando o riso.
Dei o bolo na mão dela, e abri a gaveta do armário, tirei o pequeno pacote selado e dei pra ela. Ela ainda vermelha, abriu o pacote e deu aquele sorriso que eu tanto gostava.
– Aí cabeçuda, não precisava. Sua boba!
– Mas claro que precisava! Você acha que eu ia deixar o aniversário da pessoa mais importante pra mim passar assim?
Sentamos na cama e ela me olhou nos olhos, colocou o bolo em cima de um banquinho e me beijou. Aquela mesma sensação do primeiro beijo de novo. Com a vela acesa e o jogo rodando no fundo, ela foi me beijando. Ficando cada vez mais intenso. Eu sentia seu corpo todo contra o meu, o seu coração acelerado e ambas ficando cada vez mais quentes.
A pequena vela tinha chegado ao fim, derramando um pouco de cera sobre a cobertura. E assim terminamos o dia, dormindo juntas na minha pequena cama de solteira.
Parte III - O fim
Cap. V – Chuva de Fogos
Um ano passa rápido, já era natal, infelizmente eu ainda não tinha me libertado plenamente das obrigações sociais e familiares, ainda me sentia presa a necessidade de ter que passar datas assim com a família, a mesma que sempre parecia fazer questão de fazer comentários sobre minha aparência, peso e decisões sobre quem eu beijo ou não. Como se não fosse o suficiente ser julgada por ser lésbica, eu ainda era julgada por ter escolhido uma carreira incomum para mulheres. Bem-vindos a minha família, amorosa e compreensiva.
Então neste natal, eu decidi recusar a oferta das minhas amigas (mais uma vez), e passar o natal e ano novo com a minha família. Fomos passar a semana numa casa de uma tia minha, a qual era comum minha família se reunir todos os anos. Como parte da minha família morava em outro estado e basicamente na mesma cidade, a maioria dos meus primos conversava constantemente. Logo no final do ano eu sempre acabava sobrando, por mais que eu tentasse socializar. Mesmo porque eu estava começando a me cansar do roteiro básico: Dizem que sentem a minha falta, me dão atenção nessas semanas e depois passam o resto do ano me ignorando casualmente.
Eu senti muita falta da Alice, pois além de não poder me encontrar com ela essa semana, ela já havia me dito que essa semana ela iria trabalhar o dobro, pois sempre no fim do ano, era a época onde o hospital tinha uma maior sobrecarga de serviços. (Álcool, festas e excesso de comida, uma combinação maravilhosa). Ela mal estava me respondendo no celular as mensagens que enviava, o que me deixa ainda mais solitária.
Conversamos muito pouco durante aquela semana, mal trocamos mensagens. Elas se resumiam a basicamente uma conversa monossilábica, ela tinha um pouco esse costume, principalmente quando estávamos jogando ou ela estava no trabalho. Mas estranhamente aquela semana ela estava muito quieta. Após a arrastada semana, no dia da virada do ano, minha saudade estava me deixando maluca, eu precisava conversar com ela.
Imagino que vocês devem estar se perguntando, “Essa garota não tem amigas?”, tenho basicamente tenho três amigas, uma delas tinha ido para o sitio com o namorado e não tinha sinal, as outras duas estavam juntas com outras amigas em comum e conversavam comigo. Mas eu tinha me acostumado a presença dela, algo na conversa dela era diferente, me fazia muito bem.
No ano novo, depois de me empanturrar de comida e fazer todas as obrigações sociais que a data exige, dei um jeito de escapar da sessão de abraços e desejos quase robóticos de feliz ano novo e fui para a rua com uma pequena garrafa de vinho. Enquanto eu olhava os fogos me deu um pequeno aperto no coração e procurei o contato dela no meu celular e liguei.
Enquanto os fogos de artificio estouravam no céu, caindo em pequenas estrelas coloridas, os toques da chamada pareciam pequenas badaladas.
Ocupado. Tentei novamente…
Caixa postal….
Depois de ligar algumas vezes, ela finalmente atendeu:
– Quem é?
– Como assim quem é? Sou eu Alice…
– Ah… Oi Monica – Disse num tom muito frio
– Tá tudo bem? É que eu estava com saudades e quis te ligar.
Pra também desejar um ano novo… né…?
-Tá sim Monica, eu tô ocupada agora, depois a gente se fala. Tchau.
– …!
Meu peito parecia ter sido atravessado por uma faca, gelada e muito afiada. Alice nunca tinha sido tão fria comigo quanto foi naquele momento. Ela sempre gostava de conversar comigo, principalmente por voz. Tremula, eu sentei na calçada e enquanto olhava os fogos de artifício e virava a garrafa de vinho.
Metade de mim queria chorar, ligar, entupir ela de mensagens, furiosa e chateada eu queria uma explicação, numa das datas mais importantes do ano ela me recusou violentamente e o pior sem motivo, ela não podia ter me tratado daquela maneira, não naquela semana. Enquanto a outra metade, um pouco mais silenciosa, desfilava uma lista de motivos racionais pelos quais ela poderia ter conversado comigo daquela maneira. Emergência no hospital, briga com a família, algum problema inesperado e a lista seguia.
Assim terminei a noite sozinha, sentada na rua, bêbada e chorando.
Cap. VI – Ironia do Destino
Quando voltei para minha casa, uma semana depois, eu tentei várias vezes conversar com ela, mas ela respondia cada vez menos. Até que em uma semana, ela simplesmente não me respondia mais. Pela primeira vez, ela estava em silencio total comigo.
No final de janeiro, ela voltou a conversar comigo, como se nada tivesse acontecido. Ela simplesmente ignorou o fato de ter me deixado no vácuo por quase um mês. E assim meu celular piscou com a mensagem dela:
– Oi, tudo bem?
– Tudo sim… está tudo bem com você? – Perguntei curiosa
– Sim
– Você tem me evitado ultimamente… eu te fiz algo? – Eu precisava saber, não queria mais ficar no escuro.
– Deixa isso pra lá Mônica, tá tudo bem agora, vamos falar de outra coisa
– Não, não está tudo bem Alice, o que aconteceu com você? Você foi estranha comigo no natal, ano novo e está sendo estranha comigo até o momento. Eu te fiz algo?
– Não Mônica, olha, acho que não podemos mais sair por enquanto…
– E… Por que?
– Eu terminei com a minha Ex faz pouco tempo e ter saído com você tem me feito lembrar muito dela, você parece com ela, eu me sinto na obrigação de estar com você e não é isso que eu quero, eu não quero assumir um namoro no momento
Minha cabeça estava rodando naquele instante, eu precisei sentar para não cair no chão, aquilo que eu estava lendo não fazia sentido, ela estava me comparando com a Ex dela.
Dei alguns momentos pra me acalmar, eu realmente sentia que estávamos nos tratando como namoradas…, mas era tão ruim assim?
– Alice… em nenhum momento eu disse que tínhamos que namorar, que éramos obrigadas a isso. Eu nunca te tratei mal e nunca te impedi de ser quem você é e fazer o que você gosta, muito pelo contrário, sempre te incentivei…
– Eu sei que sim, mas eu não quero namorar agora
– Mas eu não estou te pedindo em namoro garota! Eu só quero entender o que está havendo com você!!!
– Mônica, eu preciso voltar pro trabalho, depois eu falo com você.
Horas foram passando, me deixando sem a menor concentração no trabalho. Eu olhava o celular a todo instante, para ter certeza que de que ela tinha enviado algo, mas nada. Essas horas foram passando e se tornaram dias, Alice tinha se afastado de mim de uma maneira estranha, não conversava, quando respondia era monossilábica e sempre que tentava conversar sobre o que estava acontecendo, ela era evasiva e simplesmente me deixava falando.
Dias se tornaram semanas e fomos ficando cada vez mais distantes, cada vez mais desconectadas e silenciosas. Aquilo doía muito em mim, era como se tivesse correndo a toda velocidade e de repente tivesse batido com toda a força num muro. Do outro lado desse muro, estava um dos maiores amores que eu já senti. Me observando, se distanciando e se tornando cada mais impossível de se alcançar.
Meses se passaram, e eu não falava mais com ela, era inútil tentar, pois todos os outros diálogos tinham sidos emocionantes sim, não e talvez. Com tempo eu simplesmente deixei de lado, apesar de nunca ter entendido realmente o que tinha rolado. Enquanto isso eu esperava todos os dias que ela me mandasse mensagem, que me ligasse, que desse algum sinal de que a Alice que eu havia conhecido, e a mesma pessoa que tinha dito e compartilhado momentos tão sinceros comigo, voltasse. Que puxasse a minha manga no metro, tímida, ou que simplesmente sorrisse por estar comigo.
No final do ano, eu ainda sentia a falta dela, e enquanto estava mexendo no meu celular, eu decidi olhar as fotos antigas, ver o que passar para o computador e o que poderia apagar. E lá estavam nossas fotos, deitadas na grama no parque ou posando juntas fazendo caretas. Estava tudo lá… Eu nunca chorei tanto como naquele momento. Deitada no chão, abraçando o celular, sendo tomada pelas memorias com ela. Acabei dormindo exausta de chorar.
Quando acordei no dia seguinte, quando me levantei a primeira coisa que eu vi, foi o meu reflexo no espelho. Descabelada, com a bochecha amassada e marcada do piso, os olhos um pouco inchados. Eu estava horrível. Decidi que aquilo seria um ponto de decidir algo na minha vida, fazia um ano que eu estava esperando em vão alguém que nunca iria voltar e eu tinha chorado muito por alguém que não estava nem aí para mim.
Decidi que seria o momento para me limpar dela, peguei os presentes, as cartas fofas, as fotos reveladas, tudo. Rasguei uma a uma e fui jogando num saco de lixo. Apaguei todas as fotos. Se não fosse pelas minhas lembranças e a dor que ainda sentia, praticamente poderia dizer que nunca tinha a conhecido.
Um ano tinha se passado desde que paramos de falar, depois de alguns meses eu recebo uma mensagem dela em meu celular. Minha primeira reação foi pensar “Por que…? Eu já tinha superado você! O que é que você pode querer de mim?”
– Oi
– Oi
– Tudo bem?
– Sim – Apesar da minha vontade de ser grossa e brigar muito com ela, eu apenas disse sim. (até eu fiquei surpresa)
– Ah. bom, como você está? Saudades 😊
– Eu estou bem, as vezes sinto saudades…. – A todo momento praticamente – O que você conta de novo?
– Bom… eu mudei de emprego e casei!
Aquilo realmente tinha me tomado de surpresa, curiosa eu não resisti e perguntei:
– Uau! Mas com quem você se casou?
– Com a Minha Ex.
Lucas <3
Acompanhando! <3
Nossa! Sensacional! Adorei esse romancista! Tem uma longa carreira pela frente! Acompanhando a história ansiosa pela continuação.