
O Toque da Morte
Cap. I - SMS
– Kevin! Kevin! Acorde! É ele!
– Hmm? Quem…?
– Nosso filho! – Disse uma voz feminina entre lagrimas
– .. é a quinta vez em três dias, você está tendo um sonho… Amanhã vamos novamente no psicólogo, você precisa de ajuda meu bem.
No quarto escuro, as lagrimas caiam, despercebidas pela noite. Ela, Valeria, tentava em vão, discernir se tudo aquilo não tinha sido um sonho ruim. A alguns anos atrás, seu filho, Tiago, havia deixado sua casa. Desapareceu completamente pelo mundo.
Ele vai voltar, ela repetia. Todos os dias, ela repetia isso. Ao acordar, quando ia a igreja, quando se via no espelho. Veja por si, ela, sempre foi uma mulher, que se considerava digna, justa e amorosa.
Uma boa mãe. Firme, mas ainda sim não menos justa e amorosa. Afinal, só por deus, sabia-se que era o dever sagrado de uma mãe ser justa.
Valeria sabia, que seu menino, estava vivo. Que tudo aquilo não passou de um desentendido. Ele era jovem, estava ofendido e em breve ele voltaria. Como sempre, pedindo ajuda, carinho. E dessa vez, ela tinha um plano. Tudo seria diferente. Ele iria mudar, afinal, só por deus, sabia-se que era o dever sagrado de uma mãe persistir. Desde que ele se foi, ela tinha, ou pelo menos seu marido dizia, pesadelos, onde ele ligava para ela. No seu telefone de cabeceira, dizendo que queria voltar.
– Pela última vez Tiago, você está proibido de sair com esse menino!
– O que? Como assim?
– Ele é uma é uma péssima influencia, fora que o pai dele já foi preso – disse enquanto bebia seu café – eu não quero você andando com esse tipo de gente.
– Mãe, ele é meu amigo… e eu não consigo compreender o que o pai dele tem a ver com isso, que por acaso MORREU a pelo menos quatro anos.
– Eu não quero. Você entendeu? Hoje mesmo eu mandei uma mensagem para ele dizendo que você não vai mais falar com ele.
Tiago levantou-se da mesa, enfurecido. Da cozinha, só se ouviu a porta de seu quarto batendo. Sua mãe sabia que estava fazendo seu dever, oh sim. Aquele garoto era uma péssima influencia. Família pobre, pai falecido e uma mãe desinteressada. Ela se levantou e foi até seu quarto. E com a porta fechada ela gritou:
– E quando você sair do quarto, lave a louça e limpe a sala. Hoje teremos visitas. E eu quero essa casa limpa quando voltar.
Ela sabia que ele não iria responder, era típico dele. Imaturo. Mas ela iria corrigir isso. Ainda tinha tempo. Dezessete anos, seu pai costumava gritar, E o que você fez da sua vida? Fica por aí, jogando esses joguinhos e achando que vai ir muito longe com esse diabo de música. Seu marido, Kevin, por deus, era uma pessoa que veio como uma benção em sua vida.
Quando ela ficou grávida de Tiago, ela já tinha outro filho, um bebezinho. E ela sempre trabalhou muito para poder trazer o mínimo de sustento ao pequeno Mateus, um segundo filho do inútil do primeiro marido. Ela considerou aborto, considerou outras opções menos dignas. Mas sabia que Ele tinha um plano. Um dia ela estava trabalhando como sempre no banco, era a recepcionista de um dos diretores. E então ele entrou em sua sala, Kevin Haddock, nome de gente rica ela pensou.
E então ela passou a se interessar por ele. Encontros, Jantares em restaurantes caros, Escola particular para o seu filho e roupas novas. Como ela se sentia abençoada! Kevin era uma das melhores coisas que havia aparecido em sua vida. Cinco anos depois do nascimento de Tiago, ela pediu Kevin em casamento, ele prontamente concordou.
Ela se mexeu na cama, percebendo que estava fitando o teto enquanto lembrava-se disto. Enxugou os olhos e observou o relógio. 4:15 am. Tomou um copo d’agua e tentou voltar a dormir. Mas o sono não veio. Ela se levantou e foi até a sala. Pegou um porta retrato e olhava a foto. Uma família feliz, ela pensou, estavam ela, seu marido, e as duas crianças, abraçados com eles, estavam pessoas fantasiadas como os personagens daquele filme que ela nunca gostou e nem faria questão de lembrar o nome. Mas ah! Como ela se afundava nas memorias daquela foto, a primeira viagem internacional da família, coisa que seu primeiro marido nunca pode oferecer, em vida.
Ela olhava incrédula para seu celular, aquela última mensagem piscando em sua tela. Era algo inadmissível. O que as pessoas iriam pensar dela? Que ela falhou como mãe. Que não havia lhe dado amor e umas palmadas quando necessário, afinal, só por deus, sabia-se que era o dever sagrado de uma mãe amar e educar.
Envolvido num pequeno balão azul, estava a frase:
Tiago 4:15am:
– Eu sou gay
Cap. II - A ligação
Por quase uma semana, conversando com amigas, parentes e seu psicólogo, ela questionou diversas maneiras de se lidar com um filho gay. Ela sempre tinha suas dúvidas, um menino ouvindo Abba, Madonna e Cher, com toda certeza não seria hetero. Ela tentou de tudo, rezou, bateu, gritou, até mesmo escondeu e quebrou seus cds.
Embaixo desse balão, agora constavam mais doze, ela não havia dito nada por uma semana inteira, na tentativa de ter encontrado a solução, pois para ela, aquilo não era normal. Quem sabe era uma modinha dos jovens. ‘Fale comigo’, ‘Me responda por favor’, eram algumas das frases. Então ela respirou fundo e digitou:
– Eu já sabia. Você sabe que não acho normal isso. E eu não quero que você apareça em casa vestido de mulher.
Pronto. Ela havia feito o seu melhor. Sabia que ele entenderia que ela se sentiu horrível e que logo iria parar com essa graça de seguir as modinhas. Ela sabia que aqueles amiguinhos estranhos que ele estava aparecendo nas fotos não eram uma boa influência para o seu menino. Valeria colocou o porta retratos no canto. Aquela memoria não era a favorita dela, ainda deixava um gosto amargo. E mesmo com o seu apelo, naquele dia, de nada adiantou, ele começou um namoro, Fernando era o nome dele. Ela apenas o via por fotos e sempre que podia, falava para seu filho:
– Meu amor, isso não combina com você.
– E o que combina então? – Perguntou ele, confuso
– Você é jovem, Bonito, deveria estar saindo com garotas!
Ela se levantou, e decidiu que iria dormir. Ela havia comprado remédios para ajudá-la, faziam duas semanas que ele havia saído de casa. Ela não dormiu bem em nenhuma dessas noites.
Então ela cruzou pelo quarto dele. Vazio. Nele, só ficaram os moveis, os guarda roupas estavam vazios, com a exceção dos cobertores e toalhas. Ela fez questão de deixar a cama como estava, desarrumada. Pois sabia que ele iria voltar e ele mesmo iria arrumar aquilo.
Tiago havia saído de casa, após uma discussão intensa. Seu marido já estava farto, em um jantar, ele finalmente explodiu. ‘Dentro dessa casa, com o meu dinheiro, você não vive mais, quero você fora daqui. Estou cansado de sustentar um moleque vagabundo, que fica por aí dando a bunda e tocando violão. Não me faça repetir’. Ela achou que eram palavras duras. Mas ela conhecia seu filho, ele só funcionava nos trancos, e naquele momento ele precisava de um senhor tranco. Aos vinte e dois anos ele não havia terminado a faculdade, estava namorando aquele menino horrível e tinha pedido demissão de seu emprego porque dizia que era maltratado lá dentro.
Ela sabia que tudo isso eram desculpas. Tiago precisava ouvir algumas verdades para crescer. E era isso que eles fizeram. Ela sabia que ele ficaria mudo por alguns dias, mas com a ameaça da expulsão, ele iria acordar para a vida, iria largar aquele menino e iria se concentrar na sua faculdade, de medicina, escolhida pelo pai. Afinal, só por deus, sabia-se que era o dever sagrado de uma mãe dizer a verdade a seu filho.
O telefone do quarto tocou, ela sabia que era real, seu coração estava na boca. Com as mãos tremulas ela tirou o telefone vermelho do gancho e atendeu, mas ela sabia quem era, seu filho, claro.
Mas não foi.
– Boa noite, por favor, a Valeria Haddock? – Disse uma voz feminina do outro lado do telefone
– Você sabe que horas são? – Disse enfurecida enquanto batia o telefone no gancho
– Quem era amor? – Perguntou Kevin meio sonolento
– Trote, bem provável.
O telefone tocou novamente. Ela atendeu, mas ela sabia quem era, seu filho, ou pelo menos achava.
– Senhora. Não desligue. – Disse a voz feminina
– O que é que você quer? – Disse ela tentando conter a raiva.
– Sra. Haddock, eu sou delegada da 1ª DP da Sé. Eu tenho que lhe informar que encontramos o seu filho…
– Ah, mas que noticia maravilhosa, nós já vamos aí busca-lo – Respondeu mal se contendo de felicidade – como ele está?
– Senhora… Nós o encontramos morto, próximo da catedral da sé, suspeitamos que tenha sido suicídio por abuso de substancias químicas. E precisamos que a senhora venha verificar o corpo…
Senhora…?