
Laboratório de Pesquisas Especiais
Prólogo
O Laboratório de Pesquisas Especiais estava funcionando a todo vapor havia meses. O único sol que os pesquisadores tomavam era o que entrava pelas janelas dos corredores. Isso é, nos andares acima do subsolo, que eram três. Já no subsolo, havia 20 andares. Cada um mais movimentado que o outro. No subsolo que ocorrem as melhores pesquisas. As mais inacreditáveis. As que fazem as pessoas criarem teorias da conspiração, pensarem sobre áliens e OVNIs. As que fazem você não querer dormir de luzes apagadas ou sair na rua sozinho. Não. Você não quer saber o que realmente descobriram por la.
Parte I
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O prédio inteiro vibrava com os auto falantes. Alguma coisa havia saído de controle.
“Vamos, sorriam, o dia está lindo! Esta é a primeira vez que saímos daquele laboratório fedido! E nós VAMOS aproveitar!”
Cara… faz tanto tempo que não saímos de lá… acho que nunca saímos todos juntos, na verdade. É uma experiência ótima! Não sei porque nunca fizemos isso antes. Alguns de nós temos tantas memórias juntos… eu e Clara no nosso primeiro ano aqui. Ainda com vida social – risos – nós costumávamos sair bastante. Mas eu fui transferido pro subsolo e ela continuou na luz. Ela ainda tem férias. Eu não.
Matiev!! Ele está ao meu lado nessa. Viramos amigos instantaneamente logo que eu desci. Temos o mesmo gosto por moças e música. Mas aqui em baixo só há tempo pra música. Por mais que ultimamente tudo o que eu ouço são respirações abafadas… mas também, estamos fechados aqui por tanto tempo, mal temos espaço pra nos mexer. Mas aqui fora… uau! Eu não lembrava que o céu tinha esse tom esverdeado durante a manhã!
André? André!? Ah… ele está do outro lado… É bom sair junto, mas é melhor quando se fica junto de quem você conhece melhor. Tipo o André. Que está do lado do Matiev. Como eles estão lá eu não tenho certeza, mas é como se eu tivesse escutado o André… sei la, essa gente respirando abafado do meu lado não ajuda!!
Mas que é verdade é verdade, desde que o André foi pro subsolo e eu fiquei na luz a gente não saiu mais… – um longo suspiro – eu senti muita falta dele.
Eu imagino se eu coloquei minhas lentes verdes antes de sair… não faço ideia.
Eu sei que esse passeio está super público, a cada momento uma mente nova se incorpora a nossa caminhada.
Na verdade eu não me lembro de como isso começou. O alarme estava… estava… o que eu estava falando mesmo? Ah sim! Acho incrível que conseguimos ser tão sincronizados e receptivos. É quase como se fosse uma força maior. Alguns até gritam quando nos veem! Deve ser de felicidade por poder andar conosco, por que não consigo imaginar qualquer outro motivo.
Matiev não quer falar comigo… eu não sei se ele está bem, na verdade… ele está respirando estranho… mas aqui é tão bom… aqui é tão bom… aqui é… tão… bom… todos juntos… um só rítmo… um só pensamento… um só objetivo… é tão bom…
Matiev não fala mais com o André… ele entrou primeiro na caminhada… a luz… o sol… é tão bom… todo mundo em busca da mesma coisa… pensando a mesma coisa… num só rítmo… um só pensamento… um só objetivo… uma só mente… é tão bom…
Parte II
No dia 25 de outubro, às 23h40min, terça-feira, o Laboratório de Pesquisas Especiais entrou em estado de alerta. Ninguém sabe exatamente o que houve. A ideia era perguntar aos cientistas, mas ninguém sabe onde eles estão. Alguns cientistas dos andares de cima ainda trabalham normalmente, mas o subsolo, a partir do 15º andar a entrada de pessoas não autorizadas está proibida.
No momento, estamos procurando os cientistas responsáveis. O lugar está uma bagunça e os sensores não funcionam. Há lugares de frio ou calor intenso. A pressão está maior em certas salas. Algumas das salas, aliás, parecem ter sido sugadas por um buraco negro ou algo assim, elas literalmente não existem mais. Eu sei que soa assustador, mas precisamos fazer nosso trabalho. Hoje vamos entrar lá pela terceira vez. Esperamos ter algum resultado… e eu sinceramente espero que finalmente achemos alguém pra explicar tudo isso… Bem, lanterna ligada e pistola pronta. Vamos nessa.
Um dos guardas está comigo. Ele se chama Johnny. Estamos procurando pelos cientistas aqui do subsolo. Pelo jeito eu me livrei de alguma merda… que bom que eu estava doente essa terça. Eu sinceramente espero que o experimento tenha dado errado, porque se deu certo e as coisas estão assim… eu não sei muito bem o que fazer.
“O que estávamos pesquisando? Bem, Johnny, é sigiloso.” curioso esse rapaz. “Você ouviu isso, Johnny?”
“O que?”
“Um chiado… é como… é como… uma cacofonia de chiados e suspiros por todo esse lugar… eu juro que eu estou arrepiado, Johnny, preste atenção ao som!”
“Olha doutor, agora que você falou… eu estou até que sentindo um vento frio, e um arrepio na nuca, mas até aí… ontem eu senti a mesma coisa aqui nessas salas. Elas estão mais frias e com a pressão mais baixa. O que você está ouvindo deve ser o ar indo dum lugar pro outro. O que foi? Só porque eu não sou doutor não quer dizer que eu não sei uma coisa ou outra.”
“Não é isso, Johnny… eu só… só estou torcendo para que você esteja certo.”
“Ah… se você quer saber, doutor, eu também estou.”
Três horas se passaram. Parece muito mais tempo aqui em baixo. Eu não sei como esses cientistas gostam daqui. Se eu fosse um deles faria de tudo pra ficar lá em cima. Pelo menos eles têm um pouco de luz aqui e ali. Aqui em baixo… nem as luzes estão funcionando direito.
“Johnny, você…?”
“Sim… eu ouvi. Veio daquela direção.”
“Foi um grito de ajuda, talvez?”
“Espero que sim. Mas temos que ir lá ver, só para ter certeza que não estamos deixando alguém para trás.”
“Eu realmente não quero ir Johnny… eu não fui feito pra isso”
“Vamos, eu preciso de um back up caso não seja alguém gritando por ajuda. Você tem uma arma, não?”
“Sim…”
“Certo, só não atire em mim.”
“E o Johnny e aquele cientista que foi com ele? Eles ainda não voltaram, né?”
“Se eles não voltarem em 5 minutos nós teremos que contá-los como desaparecidos.”
“Merda… “
Parte III
“Johnny…? Johnny!”
Eu não sei o que houve… eu não sei… estávamos só olhando… ah… ah sim… subsolo… a criatura… merda.
“Johnny?”
“Oh, oi. Estou bem… estava vendo… Doutor o que raios aconteceu aqui? Está tudo destruído e eu tenho certeza que eu vi algo enorme passar por aqui.”
“Ah… sim…”
“Você quer fazer o favor de explicar?! Eu sei que é siligoso, mas eu preciso de informação!”
John está bravo. É compreensível. O que está solto aqui…
“John, eu não posso contar pra você, mas… você é meu único amigo aqui em baixo e eu gostaria que saíssemos daqui juntos. Então eu vou explicar, mas não espalhe. Bem… você sabe que estávamos trabalhando sem férias ou final de semana há muito tempo. Fizemos uma descoberta. Há uma dimensão espelhada à nossa. Várias pessoas que desapareceram há décadas foram encontradas lá. Mortas, sim, mas com um sorriso no rosto como se aquele foi o melhor dia das suas vidas… e… bem… por mais que estivessem sumidas há décadas, elas não haviam envelhecido um só dia. Era nosso pote de ouro. Se descobríssemos como e porque essas pessoas não envelheceram, seríamos ricos!
“Lógico, nós exploramos o lugar. Fomos para todos os lados e nada de vida, apenas mais pessoas mortas com um sorriso no rosto. Nós estudamos os corpos o mais rápido possível, mas assim que tirávamos daquela dimensão eles derretiam. Então montamos um laboratório nesse Mundo Dois. Nós a chamamos assim, a dimensão nova. O que ninguém esperava é que aparecesse alguma coisa! Estávamos tão felizes! Todo mundo queria ficar no Mundo Dois. Respirávamos serotonina e dopamina. Era tudo tão feliz e alegre… até que… Johnny… aqui está tão frio, Johnny…”
“Continue falando. Eu vou procurar algum pano ou cobertor por aqui.”
“Obrigado. Johnny, o dia que aquilo apareceu… eu estava aqui. Foi terrível! Era enorme! Uma coisa esverdeada, bem clara. Mas apesar de tudo, a criatura não emanava uma “aura” de medo. Foi como se ela transpirasse felicidade. Eu queria chegar perto. Mas, claro, eu não fui o único a pensar nisso. Todo mundo começou a andar pra frente. Uma moça nova foi a primeira. A criatura não comeu a moça. A criatura ABSORVEU a moça! O rosto dela ficou pra fora, respirando com dificuldade, mas… ela tinha um sorriso tão grande no rosto! Ela estava tão feliz! Foi rápido, mas o suficiente pra um momento de lucidez. Prendemos a criatura numa cela hermeticamente selada. Nós estudamos a criatura com afinco, todo mundo adorava trabalhar nela. E ela não ligava, sabe? Parecia inofensivo, contanto que você não chegasse muito perto. Tirávamos pedaços, líquidos, até sangue da moça conseguimos tirar. Até que um dia, chegamos lá e o rosto da nossa colega de trabalho não parecia bem. Sabe, até aquele momento, não tinha passado pela nossa cabeça tirar ela de lá. Porque ela parecia tão feliz… Mas naquele dia nós tentamos. Foi difícil, porque a criatura parecia estar segurando a moça. Quando finalmente conseguimos tirar a cabeça dela de lá, sabe o que saiu? Só o rosto. O resto estava derretido. Assustamos um pouco. Mas infelizmente não nos assustamos o o suficiente. Um amigo meu, Matiev, se ofereceu pra ser absorvido e estudado. Nós aceitamos… estávamos todos drogados.
“Enchemos Matiev de aparelhos e sondas, e lá foi ele. A criatura estava sentada, eu acho, e nem se mexeu. Quando abrimos o vidro… ficamos inebriados. Tontos de tanta serotonina e dopamina. Parecíamos drogados, estávamos drogados!. Eu não sei como Matiev entrou na cela ou mesmo quem a fechou, eu só sei que deu certo. No momento em que ele entrou na cela, todas as suas terminações nervosas para dor foram desligadas. Ele entrou em transe e se deixou absorver pelo monstro. Novamente, seu rosto sorridente ficou pra fora. E os aparelhos começaram a apitar, como se ele estivesse sendo danificado. Ele estava se derretendo aos poucos. Tentamos puxá-lo (tínhamos colocado um aparelho pra puxá-lo da criatura. Se um rosto foi difícil imagina um corpo inteiro). Foi difícil, mas quando ele saiu… eu não sei se você já viu uma pessoa queimada por ácido. Ele estava inteiro queimado. Derretido. Em alguns lugares o osso já estava aparecendo. Ele havia ficado o que? Uns cinco minutos na criatura. Nós não fazíamos ideia do que fazer, sabe? Tiramos o cara lá de dentro, mas aí ele começou a berrar de dor e tudo ficou muito confuso. O cheiro inebriante da criatura, os gritos de dor de Matiev… esquecemos de fechar a cela. A criatura saiu. Matiev foi absorvido de novo e seus gritos de dor se tornaram gritos de prazer. Ficamos todos assustados, eu saí correndo e fechei a porta. Eu… eu tranquei todos os os outros lá dentro e agora a criatura está absorvendo todos eles… muito provavelmente eles estão todos mortos. E a culpa é minha. Eu traí todos eles. Eu coloquei um aviso para não entrarem ou mexerem na sala e então… eu voltei pra casa, pedi um atestado ao meu médico e mandei para o Laboratório.
“Parece-me que a criatura não fez questão de sair da sala por quase um mês. Então, nessa terça-feira, parece que ela ficou com fome.”
Final
“Nada do Johnny e daquele cientista, né?”
“Não, infelizmente. Eles não respondem o rádio, eles não sobem, não conseguimos ver nada pelas câmeras… está na hora de fechar esse lugar.”
Com rostos tristes, o pessoal da segurança saiu do prédio. Os explosivos já estavam posicionados nas áreas mais importantes da estrutura. O prejuízo seria grande, mas toda a pesquisa estava salva, então seria possível reaver o dinheiro perdido. Fazer as pessoas jovens e felizes para sempre. Soava perto demais de uma utopia para ser algo bom.
Com um grande estrondo, o prédio veio abaixo. Qualquer criatura que ainda rastejasse pelo Laboratório deveria estar morta. Todos os pesquisadores desaparecidos naquela dimensão feliz e estranha estavam presos lá para sempre.
“Doutor?”
“Sim, Johnny?”
“Eu estou tão feliz que conseguimos sair a tempo… e ainda salvamos todas essas pessoas!”
“Pois é, John! Eu sei como você se sente! Eu me sinto sublime! O mundo nunca esteve tão lindo!”